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ECOLOGIA PROFUNDA: UM NOVO PARADIGMA
Fritjof Capra
1 Doutor em física teórica pela Universidade de Viena, autor de O Tao da Física, O Ponto de
Mutação e Sabedoria Incomum.
Crise de Percepção
À medida que o século se aproxima, as preocupações com o meio ambiente
adquirem suprema importância. Defrontamo-nos com toda uma série de
problemas globais que estão danificando a biosfera e a vida humana de uma
maneira alarmante, e que pode logo se tornar algo irreversível. Temos ampla
documentação a respeito da extensão e da importância desses problemas.
Quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais somos
levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São
problemas sistêmicos, o que significa dizer que estão interligados e são
interdependentes. Por exemplo, somente será possível estabilizar a população
quando a pobreza for reduzida no âmbito mundial. A extinção de espécies
animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério
meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a
degradação do meio ambiente combina-se com populações em rápida expansão,
o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se
tornou a característica mais importante da era pós-guerra fria.
Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exactamente, como
diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de
percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, em especial as nossas
grandes instituições sociais, concordarem com os conceitos de uma visão do
mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com
nosso mundo superpovoado e globalmente interligado.
Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, algumas delas até
mesmo simples. Mas requerem uma mudança radical das nossas percepções, no
nosso pensamento e nos nossos valores. E, de fato, estamos agora no princípio
desta mudança fundamental de visão do mundo na ciência e na sociedade, uma
mudança de paradigma tão radical como o foi a revolução copernicana. Porém,
essa compreensão ainda não despontou entre a maioria dos nossos líderes
políticos. O reconhecimento de que é necessária uma profunda mudança de
percepção e de pensamento para garantir a nossa sobrevivência ainda não
atingiu a maioria dos líderes das nossas corporações, nem os administradores e
os professores de nossas grandes universidades.
Os nossos líderes não só deixam de reconhecer como diferentes problemas estão
interelacionados; eles também se recusam a reconhecer como as suas assim
chamadas soluções afectam as futuras gerações. A partir do ponto de vista
sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções “sustentáveis”. O conceito
de sustentabilidade adquiriu importância-chave no movimento ecológico, e é
realmente fundamental. Lester Brown, do Worldwatch Institute, deu uma
definição simples, clara e bela: “Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz
suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras”. Este, em
resumo, é o grande desafio do nosso tempo:
.criar comunidades sustentáveis –
isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossasnecessidades e aspirações, sem diminuir as chances das gerações futura
A Mudança de Paradigma
Na minha visão de físico,o meu principal interesse tem sido a dramática mudança
de concepções e de idéias que ocorreu na física durante as três primeiras
décadas deste século, e ainda está sendo elaborada nas nossas actuais teorias da
matéria. As novas concepções da física tem gerado uma profunda mudança nas
nossas visões de mundo; da visão de mundo mecanicista de Descartes e Newton
para uma visão holística, ecológica.
A nova visão da realidade não era, em absoluto, fácil de ser aceita pelos físicos
no começo do século. A exploração dos mundos atômicos e subatômicos colocou - nos
em conctato com uma realidade estranha e inesperada. No seus esforços
para apreender essa nova realidade, os cientistas ficaram dolorosamente
conscientes de que suas concepções básicas,a sua linguagem e todo o seu modo
de pensar eram inadequados para descrever os fenômenos atômicos.Os seus
problemas não eram meramente intelectuais, mas alcançavam as proporções de
uma intensa crise emocional e, poder-se-ia dizer, até mesmo existencial. Eles
precisaram de um longo tempo para superar essa crise, mas, no fim, foram
recompensados por profundas introvisões sobre a natureza da matéria e de sua
relação com a mente humana.
As dramáticas mudanças de pensamento que ocorreram na física no princípio
deste século têm sido amplamente discutidas por físicos e filósofos durante mais
de cinqüenta anos. Elas levaram Thomas Kuhn à noção de um “paradigma”
científico, definido como “uma constelação de realizações – concepções, valores,
técnicas, etc. – compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa
comunidade para definir problemas e soluções legítimos”. Mudanças de
paradigmas, de acordo com Kuhn, ocorrem sob a forma de rupturas
descontínuas e revolucionárias denominadas “mudanças de paradigma”.
Hoje, vinte e cinco anos depois da análise de Kuhn, reconhecemos a mudança de
paradigma em física como parte integral de uma transformação cultural muito
mais ampla. A crise intelectual dos físicos quânticos na década de 20 espelha-se
hoje numa crise cultural semelhante, porém muito mais ampla.
Conseqüentemente, o que estamos vendo é uma mudança de paradigma que
está ocorrendo não apenas no âmbito da ciência, mas também na arena social,
em proporções mais amplas. Para analisar essa transformação cultural,
generalizei a definição de Kuhn de um paradigma científico até obter um
paradigma social, que defino como “uma constelação de concepções, de valores,
de percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma
a uma visão particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a
comunidade se organiza”.
O paradigma que está agora retrocedendo dominou a nossa cultura por várias
centenas de anos, durante as quais modelou nossa moderna sociedade ocidental
e influenciou significativamente o restante do mundo. Esse paradigma consiste
em várias idéias e valores entrincheirados, entre os quais a visão do universo
como um sistema mecânico composto de blocos de construção elementares, a
visão do corpo humano como uma máquina, a visão da vida em sociedade como
uma luta competitiva pela existência, a crença no progresso material ilimitado, a
ser obtido por intermédio de crescimento econômico e tecnológico, e – por fim,
mas não menos importante – a crença em que uma sociedade na qual a mulher
é, por toda a parte, classificada em posição inferior à do homem é uma
sociedade que segue uma lei básica da natureza. Todas essas suposições têm
sido decisivamente desafiadas por eventos recentes. E, na verdade, está
ocorrendo, na atualidade, uma revisão radical dessas suposições.
Ecologia Profunda
O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que
concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma colecção de partes
dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo
“ecológica” for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo que
o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência
fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e
sociedade estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em
última análise, somos dependentes desses processos).
Os dois termos, “holístico” e “ecológico”, diferem ligeiramente em seus
significados, e parece que “holístico” é um pouco mais apropriado para descrever
o novo paradigma. Uma visão holística de uma bicicleta, digamos, significa ver a
bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as
interdependências de suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso,
mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu
ambiente natural e social – de onde vêm as matérias-primas que entram nela,
como foi fabricada, como o seu uso afeta o meio ambiente natural e a
comunidade pela qual ela é usada, e assim por diante. Essa distinção entre
“holístico” e “ecológico” é ainda mais importante quando falamos sobre sistemas
vivos, para os quais as conexões com o meio ambiente são muito mais vitais.
O sentido em que eu uso o termo “ecológico” está associado com uma escola
filosófica específica e, além disso, com um movimento popular global, conhecido
como “ecologia profunda”, que está, rapidamente, adquirindo proeminência. A
escola filosófica foi fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess, no início da
década de 70, com sua distinção entre “ecologia rasa” e “ecologia profunda”.
Esta distinção é hoje amplamente aceita como um termo muito útil para se
referir a uma das principais divisões dentro do pensamento ambientalista
contemporâneo.
A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ele vê os
seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos
os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de “uso”, à natureza.
A Ecologia profunda não separa seres humanos – ou qualquer outra coisa – do
meio ambiente natural. Ela vê o mundo, não como uma coleção de objetos
isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente
interconectados e interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor
intrínseco de todos os seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um
fio particular na teia da vida.
Em última análise, a percepção da ecologia profunda é percepção espiritual ou
religiosa. Quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de
consciência na qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade
com o cosmos como um todo, torna-se claro que a percepção ecológica é
espiritual na sua essência mais profunda. Não é, pois, de se surpreender o fato
de que a nova visão emergente da realidade baseada na percepção ecológica
profunda é consistente com a chamada filosofia perene das tradições espirituais,
quer falemos a respeito da espiritualidade dos místicos cristãos, da dos budistas,
ou da filosofia e cosmologia subjacentes às tradições nativas norte-americanas.
Há outro modo pelo qual Arne Naess caracterizou a ecologia profunda. “A
essência da ecologia profunda”, diz ele, “consiste em formular questões mais
profundas”. É também essa uma essência de uma mudança de paradigma.
Precisamos estar preparados para questionar cada aspecto isolado do velho
paradigma. Eventualmente, não precisaremos nos desfazer de tudo, mas antes
de sabermos disso, devemos estar dispostos a questionar tudo. Portanto, a
ecologia profunda faz perguntas profundas a respeito dos próprios fundamentos
da nossa visão de mundo e do nosso modo de vida modernos, científicos,
industriais, orientados para o crescimento e materialistas. Ela questiona todo
esse paradigma com base numa perspectiva ecológica: a partir da perspectiva de
nossos relacionamentos uns com os outros, com as gerações futuras e com a
teia da vida da qual somos parte.
Novos Valores
Neste breve esboço do paradigma ecológico emergente, enfatizei até agora as
mudanças nas percepções e nas maneiras de pensar. Se isso fosse tudo o que é
necessário, a transição para um novo paradigma seria muito mais fácil. Há, no
movimento da ecologia profunda, um número suficiente de pensadores
articulados e eloqüentes que poderiam convencer nossos líderes políticos e
corporativos acerca dos méritos do novo pensamento. Mas isso é somente parte
da história. A mudança de paradigmas requer uma expansão não apenas de
nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores.
É interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre pensamento e
valores. Ambas podem ser vistas como mudanças da auto-afirmação para a
integração. Essas duas tendências – auto-afirmativa e a integrativa – são,
ambas, aspectos essenciais de todos os sistemas vivos. Nenhuma delas é,
intrinsecamente, boa ou má. O que é bom, ou saudável, é um equilíbrio
dinâmico; o que é mau, ou insalubre, é o desequilíbrio - a ênfase excessiva em
uma das tendências em detrimento da outra. Agora, se olharmos para a nossa
cultura industrial ocidental, veremos que enfatizamos em excesso as tendências
auto-afirmativas e negligenciamos as integrativas. Isso é evidente tanto no
nosso pensamento como nos nossos valores, e é muito instrutivo colocar essas
tendências opostas lado a lado.
PENSAMENTO VALORES
Uma das coisas que notamos quando examinamos esta tabela é que os valores
auto-afirmativos – competição, expansão, dominação – estão geralmente
associados com homens. De fato, na sociedade patriarcal, eles não apenas são
favorecidos como também recebem recompensas e poder político. Essa é uma
das razões pelas quais a mudança para um sistema de valores mais equilibrados
é tão difícil para a maioria das pessoas, especialmente para os homens.
O poder, no sentido de dominação sobre outros, é auto-afirmação excessiva. A
estrutura social na qual é exercida de maneira mais efetiva é a hierarquia.
De fato,as nossas estruturas políticas, militares e corporativas são hierarquicamente
ordenadas, com os homens geralmente ocupando os níveis superiores, e as
mulheres os níveis inferiores. A maioria desses homens, e algumas mulheres,
chegaram a considerar a sua posição na hierarquia como parte de sua identidade,
e, desse modo, a mudança para um diferente sistema de valores gera neles
medo existencial.
No entanto, há um outro tipo de poder, um poder que é mais apropriado para o
novo paradigma – poder com influência de outros. A estrutura ideal para exercer
esse tipo de poder, não é a hierarquia, mas a rede, que, como veremos, é
também a metáfora central da ecologia. A mudança de paradigma inclui, dessa
maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para
redes.
Ética
Toda a questão dos valores é fundamental para a ecologia profunda; é, de fato,
sua característica definidora central. Enquanto que o velho paradigma está
baseado em valores antropocêntricos (centralizados no ser humano), a ecologia
profunda está alicerçada em valores ecocêntricos (centralizados na Terra). É uma
visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os
seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras
numa rede de interdependência. Quando essa percepção ecológica profunda
torna-se parte de nossa consciência cotidiana, emerge um sistema ético
radicalmente novo.
Essa ética ecológica profunda é urgentemente necessária nos dias de hoje, e
especialmente na ciência, uma vez que a maior parte daquilo que os cientistas
fazem não atua no sentido de promover a vida nem de preservar a vida, mas sim
no sentido de destruir a vida. Com os físicos projetando sistemas de armamentos
que ameaçam eliminar a vida do planeta, com os químicos contaminando o meio
ambiente global, com os biólogos pondo à solta tipos novos e desconhecidos de
microorganismos sem saber as conseqüências, com os psicólogos e outros
cientistas torturando animais em nome do progresso científico – com todas essas
atividades em andamento, parece da máxima urgência introduzir padrões
“ecoéticos” na ciência.
Geralmente, não se reconhece que os valores não são periféricos à ciência e à
tecnologia, mas constituem sua própria base e força motriz. Durante a revolução
científica no século XVII, os valores eram separados dos fatos, e desde essa
época tendemos a acreditar que os fatos científicos são independentes daquilo
que fazemos, e são, portanto, independentes dos nossos valores. Na realidade,
os fatos científicos emergem de toda uma constelação de percepções, valores e
ações humanos – em uma palavra, emergem de um paradigma – dos quais não
podem ser separados. Embora grande parte das pesquisas detalhadas possa não
depender explicitamente do sistema de valores do cientista, o paradigma mais
amplo, em cujo âmbito essa pesquisa é desenvolvida, nunca será livre de
valores. Portanto, os cientistas são responsáveis pelas suas pesquisas, não
apenas intelectual, mas também moralmente. Dentro do contexto da ecologia
profunda, a visão segundo a qual esses valores são inerentes a toda a natureza
viva está alicerçada na experiência profunda, ecológica ou espiritual, de que a
natureza e o eu são um só. Essa expansão do eu até a identificação com a
natureza é a instrução básica da ecologia profunda, como Arne Naess claramente
reconhece.
“O cuidado flui naturalmente se o “eu” é ampliado e aprofundado de modo que a
proteção da Natureza livre seja sentida e concebida como proteção de nós
mesmos... Assim como não precisamos de nenhuma moralidade para nos fazer
respirar... [da mesma forma] se o seu “eu”, no sentido amplo dessa palavra,
abraça um outro ser, você não precisa de advertências morais para demonstrar
cuidado e afeição... você o faz por si mesmo, sem sentir nenhuma pressão moral
para fazê-lo... Se a realidade é como é experimentada pelo eu ecológico, nosso
comportamento, de maneira natural e bela, segue normas de estrita ética
ambientalista”.
O que isto implica é o fato de que o vínculo entre uma percepção ecológica e o
comportamento correspondente não é uma conexão lógica, mas psicológica. A
lógica não nos persuade de que deveríamos viver respeitando certas normas,
uma vez que somos parte integral da teia da vida. No entanto, se temos a
percepção, ou a experiência ecológica profunda de sermos parte da teia da vida,
então estaremos (em oposição a deveríamos estar) inclinados a cuidar de toda a
natureza viva. De fato, mal podemos deixar de responder dessa maneira.
O vínculo entre ecologia e psicologia, que é estabelecido pela de eu ecológico,
tem sido recentemente explorado por vários autores. A ecologista profunda,
Joanna Macy, escreve a respeito do “reverenciamento do eu”, o filósofo Warwick
Fox cunhou o termo “ecologia transpessoal”, e o historiador cultural Theodore
Roszak utiliza o termo “ecopsicologia” para expressar a conexão profunda entre
esses dois campos, os quais, até muito recentemente, eram completamente
separados.
Mudança da Física para as Ciências da Vida
Chamando a nova visão emergente da realidade de “ecológica” no sentido da
ecologia profunda, enfatizamos que a vida se encontra em seu próprio cerne.
Este é um ponto importante para a ciência, pois, no velho paradigma, a física foi
o modelo e a fonte de metáfora para todas as outras ciências. “Toda a filosofia é
como uma árvore”, escreveu Descartes. “As raízes são a metafísica, o tronco é a
física e os ramos são todas as outras ciências”.
A ecologia profunda superou essa metáfora cartesiana. Mesmo que a mudança
de paradigma em física ainda seja de especial interesse porque foi a primeira a
ocorrer na ciência moderna, a física perdeu o seu papel como a ciência que
fornece a descrição mais fundamental da realidade. Entretanto, hoje isso ainda
não é geralmente reconhecido. Cientistas, bem como não-cientistas,
freqüentemente retêm a crença popular segundo a qual “se você quer realmente
saber a explicação última, terá de perguntar a um físico”, o que é, claramente,
uma falácia cartesiana. Hoje, a mudança de paradigma na ciência, em seu nível
mais profundo, implica uma mudança da física para as ciências da vida.
Liderança Circular
por Graziela Spadari Perozzo
Uma nova forma de agir nas relações de trabalho valoriza o indivíduo e constrói novos paradigmas
Liderança Circular possui semelhanças conceituais incríveis com aquilo que temos de mais essencial: a ética, o respeito, o saber ouvir, o partilhar, a compaixão, o dar a mão, entre outros tantos que permearam a infância da maioria.
Por meio de técnicas específicas e condução dentro de preceitos de antigas tradições e novas tecnologias sociais, as pessoas são incentivadas a quebrar paradigmas, enxergar oportunidades, fazer contacto com o lado humano nas relações, visualizando o quanto agimos de forma artificial e pouco prazerosa no trabalho.
É importante perceber que o desenvolvimento individual é fator determinante das macrorelações
sociais, entendendo que atitudes individuais geram conseqüências sempre e, por isso, mudanças de atitude são necessárias.
Existem técnicas para chegar com a equipe ao ponto de aplicar a Liderança Circular no dia-a-dia. Entre elas, treinar pessoas, colocando-as em condições limite, como sentar o grupo em círculo, de preferência no chão, utilizando-se figuras de linguagem dos índios norteamericanos que significam apoio à fala do outro, assim como o chamado “bastão falador”, que confere à pessoa que o detém o poder da fala e, aos outros, coloca o dever de ouvir o que está sendo dito. Essas e outras técnicas nos fazem aprender a ouvir o outro, costume que perdemos e que é, certamente, um dos grandes problemas nas relações de todos os tipos.
Na Liderança Circular o poder acontece“através de alguém” e não é encarado
como “pertencente a alguém”. Os conflitos são encarados como aliados e os problemas, como caminhos para a solução.
Dentro do contexto da Liderança Circular, as pessoas são incentivadas a resgatar a conexão
com a natureza, o seu poder pessoal e intuição, bem como a valorizar sua origem e Inteligência
Espiritual (QS), trazida à luz pela escritora, física e filósofa norte-americana Danah Zohar.
Por Inteligência Espiritual (QS) entendemos uma terceira inteligência, diferente da Inteligência
Intelectual (QI) e da Inteligência Emocional (QE). Ter um alto Quociente Espiritual (QS) significa grande capacidade de possuir uma vida mais cheia de sentido, com visão mais ampla do todo e daquilo que é necessário para atingir a felicidade.
Pessoas com alto QS têm maior capacidade criativa, maior adaptabilidade e aceitação das situações, encaram problemas como oportunidade de crescimento e, por isso, são mais equilibradas para resolvêlos. O QS ligado à necessidade humana de ter um sentido na vida e norteia nossos valores e padrões éticos.
A Liderança Circular é a forma de liderar mais adequada às pessoas que possuem alto quociente espiritual, pois a socialização dos conhecimentosé base para a fluidez na condução de reuniões circulares e, gradativamente, aumenta a confiança do grupo entre si, gerando maior entrega e comcomprometimento, bem como o acolhimento das diferenças como riquezas e matéria-prima para obter melhores resultados.
No Espaço Anam Cara — Um Lugar Amigo da Alma, através de um trabalho que reúne diversas técnicas, conceitos e tecnologias sociais, agregadosà experiência profissional de cerca de 20 anos em companhias multinacionais e empresas de pequeno porte — eu e meu sócio, Paulo César Ruchinski, treinamos empresas e grupos abertos em Liderança Circular e temos constatado que essa forma de liderar traz resultados produtivos. Podemos citar maior conscientização do papel que cada um exerce no grupo, aumento do comprometimento da equipe, fomento da confiabilidade, melhoria nos relacionamentos, aumento da produtividade, maior proatividade e iniciativa, quebra de paradigmas/resistências a mudanças, equipes saudáveis.
Não existe um ponto que possamos definir como sendo o início do desenvolvimento da Liderança Circular. O que existem são momentos históricos onde encontramos as bases e conteúdos da mesma.
O Círculo na história dos povos esteve sempre presente em rituais, danças e tradições, sendo
considerado como sagrado na maioria das vezes.
Os nativos norte-americanos possuem uma forma de reunião que empresta algumas erramentas para nosso modelo. Entre elas, encontramos o bastão falador, as figuras de linguagem que representam apoio e incentivo aos integrantes do grupo, o respeito ao círculo considerando-
o sagrado e o fato de que todos no círculo podem e devem se colocar e serão respeitados da mesma forma, independente do grau hierárquico na tribo.
O círculo iguala a todos, sentados eqüidistantes, sem pontas de mesas ou cadeiras de diretores.
Na Escócia existe uma fundação chamada The Findhorn Foundation, que é o braço educacional
de uma comunidade criada em 1962, chamada The Findhorn Community, que tem seu trabalho baseado em valores de serviço planetário, cocriação com a natureza e visualização do sagrado em todas as coisas. Eles acreditam que a humanidade está engajada em um processo de expansão evolutiva da consciência e buscam desenvolver novos caminhos para que isso ocorra. Na comunidade são aplicados os mais diversos modelos de novas tecnologias sociais, ambientais, econômicas entre outras. Muitos dos experimentos servem de modelo para a ONU, principalmente para países em desenvolvimento. Em 1997, a The Findhorn Foundation foi reconhecida como uma organização Não Governamental da ONU.
Outro incentivador muito consistente da disseminação da Liderança Circular no mundo é o movimento “Milionésimo Círculo”, inspirado no livro de Jean Shinoda Bolen, de mesmo nome. O Milionésimo Círculo propõe a possibilidade de que círculos de mulheres com um centro espiritual podem acelerar a mudança da humanidade para uma era pós-patriarcal. “O Milionésimo Círculo”, escreve Bolen, “depende de uma simples hipótese: quando um número crítico de pessoas muda
como pensa e se comporta, a cultura também muda, e uma nova era se inicia...”.
O Parlamento das Religiões Mundiais, na África do Sul, em 1999, foi o primeiro de uma série de eventos que levaram à criação da Iniciativa do Milionésimo Círculo.
A partir daí foram feitos planos para introduzir o trabalho de círculos em um encontro de ONGs na ONU, durante sessão especial para a erradicação da miséria, em Genebra. Seis meses depois, no verão de 2000, vários movimentos surgiram no mundo, muitos deles ligados à ONU, onde os círculos eram a forma de trabalho de grupos interessados em fomentar essa antiga/nova forma de liderar com mais harmonia por um mundo mais justo.
Para exemplificar e explicar o nome “O Milionésimo Círculo”, podemos usar a Teoria do Campo Mórfico, de Rupert Sheldrake, que diz que todo átomo, molécula, célula ou organismo que existe gera um campo organizador invisível e ainda não detectável por qualquer instrumento, que afeta todas as unidades desse tipo.
Assim, sempre que um membro de uma espécie aprende um comportamento e esse comportamentoé repetido vezes suficientes, o tal campo é modificado e a modificação afeta a espécie por inteiro, mesmo que não haja formas convencionais de contato entre seus membros.
Um líder nesse contexto é um líder inspirado pelo desejo de servir, que traz visão e valores
aos demais e mostra caminhos para usá-los.
Com o advento do patriarcado em nossa sociedade, passamos gradualmente a considerar apenas os lucros e o poder. Hoje as companhias passam por uma crise de sustentabilidade
gerada basicamente por essa forma de agir e pensar, onde a natureza e o ser humano são exauridos e seus recursos finitos explorados até o fim, causando uma desigualdade sem precedentes.
O objetivo da Liderança Circular é trabalhar agregando um propósito maior e mais saudável a tudo o que fazemos em nosso dia-a-dia, tornando pessoas, processos e empresas
mais aptos à felicidade, a partir do momento em que a vida recebe um novo sentido.
Artigo publicado na revista OPET&MERCADO - Segundo semestre 2006.
Você também pode baixar o pdf do original publica na revista. Acesse a sessão downloads
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